Os Primórdios da Indústria Fonográfica Portuguesa

A história do vinil em Portugal remonta ao início do século XX, embora as primeiras gravações portuguesas tenham sido feitas em formato de cilindro de cera. Foi apenas na década de 1940 que os discos de vinil começaram a ganhar popularidade no país, substituindo gradualmente os discos de goma-laca de 78 RPM que dominavam o mercado desde os anos 1920.

A primeira empresa portuguesa a produzir discos em grande escala foi a Valentim de Carvalho, fundada em 1914 como uma loja de instrumentos musicais, mas que rapidamente evoluiu para se tornar uma das mais importantes editoras discográficas do país. Inicialmente, a empresa prensava os seus discos fora de Portugal, mas em 1963 inaugurou a sua própria fábrica em Paço de Arcos, um marco significativo para a indústria nacional.

"Os discos de vinil eram mais do que um suporte musical; eram objetos culturais que refletiam as aspirações e a criatividade de um Portugal em transformação."
António Sérgio, Historiador Musical

Outra empresa fundamental para o desenvolvimento do vinil em Portugal foi a Rádio Triunfo, fundada em 1946, que se tornou uma das maiores editoras nacionais. Juntamente com a Valentim de Carvalho, dominaram o mercado português durante décadas, lançando algumas das gravações mais importantes da música portuguesa.

A Era de Ouro (Anos 60 e 70)

As décadas de 1960 e 1970 representaram a era de ouro do vinil em Portugal. O país vivia um período de grande efervescência cultural, apesar das limitações impostas pelo regime ditatorial do Estado Novo. Foi nesta época que surgiram alguns dos mais importantes movimentos musicais portugueses, como o nacional-cançonetismo, o fado renovado e, posteriormente, o rock progressivo português.

Com a Revolução dos Cravos em 25 de abril de 1974, houve uma explosão de liberdade criativa que se refletiu diretamente na produção discográfica. Surgiram novas editoras independentes, e os artistas puderam expressar-se sem a censura prévia que caracterizava o regime anterior. Álbuns como "Cantigas do Maio" de José Afonso (1971), "10.000 Anos Depois Entre Vénus e Marte" do Quarteto 1111 (1978) e "Venham Mais Cinco" de Zeca Afonso (1974) tornaram-se não apenas sucessos comerciais, mas também símbolos culturais e políticos da época.

Marcos do Vinil Português (1960-1980)

  • 1964: Lançamento do primeiro EP dos Sheiks, considerada a primeira banda de rock portuguesa
  • 1968: "Balada para D. Inês" pelo Quarteto 1111, um marco do rock progressivo português
  • 1971: "Cantigas do Maio" de José Afonso, um dos álbuns mais influentes da música portuguesa
  • 1974: "E Depois do Adeus" de Paulo de Carvalho, música que deu início à revolução
  • 1979: Surgimento da primeira loja especializada em vinil de importação em Lisboa

Durante este período, a prensagem de vinil em Portugal atingiu o seu auge, com fábricas operando a plena capacidade para atender à crescente demanda. As capas dos álbuns tornaram-se cada vez mais elaboradas, refletindo a crescente importância do design gráfico no país, com artistas como João Machado a criar algumas das mais icónicas capas de discos portugueses.

Declínio e Quase Extinção (Anos 80 e 90)

O final da década de 1970 e o início dos anos 1980 trouxe consigo o advento da cassete, um formato mais barato e prático que começou a competir com o vinil. Mas foi a introdução do CD no mercado português, em meados dos anos 1980, que realmente começou a ameaçar a hegemonia do vinil.

A década de 1990 foi particularmente dura para o vinil em Portugal. As grandes editoras começaram a descontinuar o formato, focando-se exclusivamente no CD. A Valentim de Carvalho encerrou a sua fábrica de prensagem em Paço de Arcos em 1994, um golpe significativo para a indústria. Muitas lojas de discos tradicionais fecharam as portas, incapazes de competir com as grandes superfícies comerciais que vendiam CDs a preços mais competitivos.

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Muitas lojas de discos tradicionais fecharam durante os anos 90

No entanto, mesmo durante este período de declínio, manteve-se uma pequena mas dedicada comunidade de entusiastas do vinil. Lojas como a Carbono e a Louie Louie em Lisboa, ou a Jo-Jo's no Porto, continuaram a servir colecionadores e DJ's, mantendo viva a chama do vinil num período em que o formato era considerado obsoleto pela maioria da indústria musical.

Renascimento do Vinil em Portugal (2010 até hoje)

O renascimento global do vinil, iniciado por volta de 2010, também se fez sentir em Portugal. Para surpresa de muitos observadores da indústria, o que começou como uma tendência nostálgica ou retrô rapidamente se transformou num segmento de mercado em crescimento significativo. Este ressurgimento é frequentemente atribuído a uma combinação de fatores, incluindo a busca por uma experiência musical mais tangível e a redescoberta do valor sonoro do vinil por uma nova geração de ouvintes.

Em Portugal, este renascimento trouxe consigo o aparecimento de novas lojas especializadas em vinil, tanto novo como usado. Cidades como Lisboa, Porto, Coimbra e Braga viram surgir espaços dedicados exclusivamente ao formato. Eventos como o Record Store Day, celebrado anualmente desde 2008, ganharam popularidade no país, com lançamentos exclusivos e performances ao vivo.

"O que estamos a ver não é apenas nostalgia; é uma verdadeira redescoberta das qualidades sonoras e estéticas do vinil por uma nova geração que cresceu exclusivamente com música digital."
Maria Costa, Proprietária da Vinil Experience, Lisboa

Particularmente notável foi o regresso da prensagem de vinil a Portugal. Em 2018, a Blasting Vinyl tornou-se a primeira fábrica de vinil a operar no país desde o encerramento da Valentim de Carvalho, um marco significativo para a indústria nacional. Isso permitiu que artistas e editoras portuguesas independentes pudessem prensar os seus trabalhos localmente, sem depender de fábricas no estrangeiro, frequentemente com prazos de entrega muito longos.

Editoras independentes como a Antífona, a Rastilho Records e a Príncipe Discos têm apostado fortemente no vinil, focando-se em lançamentos de qualidade, muitas vezes em edições limitadas e com atenção especial ao design das capas e à qualidade da prensagem. Até as grandes editoras multinacionais com operações em Portugal voltaram a lançar regularmente os seus artistas em vinil.

Colecionar Vinil em Portugal Hoje

Hoje, colecionar vinil em Portugal é uma atividade que combina paixão pela música, história e cultura. O mercado português oferece uma mistura única de discos antigos, muitas vezes raros e difíceis de encontrar, que documentam a rica história musical do país, e novos lançamentos que continuam a tradição do formato.

Para os colecionadores, algumas edições portuguesas dos anos 60 e 70 tornaram-se altamente valorizadas. Discos de rock progressivo português, fado tradicional ou mesmo gravações de jazz nacional atingem preços significativos em leilões e lojas especializadas. Particularmente procuradas são primeiras edições de álbuns como "Quarteto 1111" (1970), "Fala do Homem Nascido" de José Afonso (1972) ou o lendário "Bruma Azul" de Rão Kyao (1983).

Os Vinis Mais Valiosos de Portugal

  1. Grupo de Baile - "Palhaço" (1970) - Exemplares podem atingir €1.500
  2. Quarteto 1111 - "Quarteto 1111" (1970) - Primeira edição vale até €1.200
  3. José Cid - "10.000 Anos Depois Entre Vénus e Marte" (1978) - €800-1.000
  4. Tantra - "Mistérios e Maravilhas" (1977) - €600-800
  5. Amália Rodrigues - "Amália" (Edição Colombiana de 1962) - €500-700

Feiras e mercados de vinil tornaram-se eventos regulares nas principais cidades portuguesas. A Feira do Vinil de Lisboa, realizada duas vezes por ano, atrai milhares de entusiastas e colecionadores de todo o país e até do estrangeiro. Mais pequenas, mas igualmente importantes, são as feiras regulares do Porto, Braga e Coimbra.

O Futuro do Vinil em Portugal

Olhando para o futuro, o mercado de vinil em Portugal mostra sinais de continuar a crescer, embora a um ritmo mais moderado. O desafio atual prende-se com o equilíbrio entre procura e oferta, especialmente tendo em conta a capacidade limitada de prensagem a nível mundial.

Um aspecto promissor é o crescente interesse dos jovens pelo formato. Muitos compradores de vinil em Portugal têm agora entre 18 e 30 anos, o que sugere que o formato tem potencial para se manter relevante nas próximas décadas. Escolas de música e associações culturais têm também promovido atividades que permitem às novas gerações descobrir e apreciar o vinil.

Com uma comunidade de colecionadores cada vez mais ativa, lojas especializadas em todas as principais cidades e uma crescente capacidade de prensagem nacional, o futuro do vinil em Portugal parece mais brilhante do que em qualquer outro momento das últimas três décadas.

A história do vinil em Portugal é, em muitos aspectos, um reflexo da própria história cultural e política do país. Dos dias da ditadura à revolução, da crise económica à recuperação, o vinil tem sido um companheiro constante, documentando e influenciando a evolução da música portuguesa.

Na Spelaya-Morkovi, temos orgulho em fazer parte desta história, contribuindo para a preservação e divulgação do património musical português em vinil. Através das nossas subscrições cuidadosamente curadas, procuramos não apenas reviver o passado glorioso do vinil em Portugal, mas também apoiar o seu futuro promissor.